Hebert entropia

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Coringa, uma análise sociopolítica (Direita x Esquerda)

Coringa – Direita ou Esquerda?

Omelete | Coringa (Joker, 2019)

Agora vou analisar o filme em seus aspectos político-econômicos com um pouco mais de profundidade, não a profundidade necessária para entender a complexidade do tema, pois isto demanda uma vida de dedicação, mas a profundidade possível no momento, que já será suficiente para romper o tecido da superfície em que ficam a maioria das ideologias dos intelectuais de orelha de livro.

Se você pesquisar no google e começar a ler as críticas políticas do filme vai perceber que TODAS elas vão dizer a mesma coisa, o filme retrata uma sociedade capitalista doente com seu capitalismo selvagem e seu projeto neoliberal, pensando somente no lucro do capital e esquecendo da humanidade, deixando a maior parte do povo à margem da riqueza, criando assim uma revolta contra o próprio sistema, em que o Coringa foi o símbolo.

 Vou ir um pouco além disso e investigar os aspectos ideológicos do filme em detalhes.

Sindicatos

O filme começa com um jornal da rádio noticiando a greve do sindicato dos lixeiros, já trazendo de cara um aspecto que pode ser analisado a partir do antagonismo entre” direita” e “esquerda”. Logo em seguida à notícia sobre o sindicato dos lixeiros vem uma notícia sobre o sindicato dos proprietários de imóveis, já deixando implícito uma contradição entre as ideologias, enquanto os socialistas acreditam que os sindicatos trabalhistas são ferramentas importantes para a justiça social, a direita tem como uma de suas bases fundamentais a crença no direito natural de propriedade como um dos alicerces para a criação de uma sociedade justa. Pode parecer loucura perceber este detalhe, porém não é o único explorado pelo diretor Todd Phillips*.

Um dos pilares principais da esquerda é a “luta de classes”, por isso  os movimentos sindicais são defendidos, na causa humanitária, por lutarem contra as explorações capitalistas, exigindo melhores salários e melhores condições de trabalho afim de diminuir as injustiças sociais, num mundo onde os burgueses abocanham a maior parte do lucro deixando somente  migalhas para serem distribuídas entre os pobres, gerando a famosa pirâmide capitalista. O Estado deve, então, ser responsável por prover políticas públicas que detenham o crescimento da mais-valia em detrimento da distribuição igualitária de renda, transformando a sociedade em um ambiente sem diferenças discrepantes e injustas, dando oportunidades iguais para todos.

A direita, por sua vez, não acredita na luta de classes, mas sim que o laissez faire, ou seja, o livre mercado, traz prosperidade à nação que consegue aplicá-la em sua inteireza (Adam Smith – A riqueza das nações). As desigualdades existem e são naturais, mas todos prosperam no final. Para isto é preciso que o mercado esteja com suas engrenagens bem engraxadas, os sindicatos, em sua grande maioria, representam ferrugens que atrapalham este movimento em direção à riqueza das nações, pois o salário deve estar submetido às leis do mercado, tratando o empresário como um cliente que compra pelo o capital humano (força de trabalho) com um preço que se regulará seguindo à lei de oferta e demanda. Este preço vai ser um dos custos de produção, que refletira no preço final do produto vendido no comércio e é muito importante, pois representa, assim como o preço de todas as coisas, um ente que carrega informações sobre as necessidades dos consumidores.

Quando, então, este valor é pré-fixado com algum acordo, fora da dinâmica natural do mercado, acaba por gerar distorções nesta informação que implicarão numa série de problemas econômicos que trarão como consequência a pobreza; assim, os economistas liberais explicam que as crises do capitalismo, como as de 1929 e 2008 são decorrentes destas distorções. Do mesmo modo que interferir arbitrariamente nos salários resulta em aumento de preços, interferências (pelo governo, ou grupos poderosos) em qualquer variável macroeconômica: taxa de juros, câmbio, impressão de moedas, facilitação de créditos, resultarão num mercado que não expressa a vontade dos consumidores, e essa “mentira” acabará estourando em algum momento, sendo, este fenômeno, mais conhecido como estouro da bolha.

Isso pode ser visto na teoria austríaca dos ciclos econômicos, estes austríacos que são chamados de neoliberais e explicam que as depressões são causadas por políticas públicas intervencionistas, contrariando o senso comum, influenciado pelo pensamento de esquerda, que acredita num capitalismo intrinsicamente cíclico, ou seja, tem seu boom (expansão) e seu bust (recessão).

Laranja mecânica

Herdeiro de Aécio: A LARANJA MECÂNICA

Logo no início vemos uma cena que mostra como a cidade de Gothan está passando por um momento de crise, suja e violenta, mostrando jovens roubando e espancando o palhaço em um beco, remetendo ao clássico de Stanley Kubrick, Laranja Mecânica, onde, em uma sociedade devastada, jovens espancam um velho por puro prazer na crueldade (conceito de ultraviolência).

Também vemos como Arthur Fleck percebe que as coisas estão ruins e a assistente social explica isso como uma tensão de classes “eles não ligam para pessoas como você, e como eu”.

Com isso podemos pensar de novo nas diferenças de visões ideológicas, enquanto a esquerda culpa o capitalismo selvagem pela criação de desigualdades e consequentemente violência, a direita conservadora encara este episódio como a degradação dos valores morais, e das instituições (família, igreja, leis, ...).

Assistência social

Arthur conversa com a assistente social LEGENDADO - CORINGA - YouTube

Chegamos, então, em um ponto crucial de divergência, enquanto a esquerda defende que o Estado deve assumir o papel de proporcionar igualdade de oportunidade aos cidadãos, a direita defende que o Estado gera pobreza, desigualdade levando a sociedade a um estado de servidão (Hayek – O caminho da servidão).

Podemos notar na cena, em que Arthur está numa consulta com uma assistente social, ele percebendo que ela não está prestando atenção nos seus reais problemas, ela nunca ouviu o que ele realmente tinha a dizer e nunca pensou nos seus reais problemas, aflições e visões do mundo e de si mesmo, sua consulta era mecanizada, sempre com as mesmas perguntas, sempre o mesmo protocolo; a sala era a típica de um serviço público: conseguimos sentir o cheiro de almoxarifado, com aqueles arquivos velhos empilhados juntando poeira há anos.

Com isso podemos refletir sobre nossa discussão principal. A esquerda defende o estado de bem estar social, ou seja, os serviços básicos e fundamentais devem ser obrigação do Estado, pois estes não são mercadorias para serem tratados no mercado. Já os liberais econômicos acreditam, não em simplesmente ignorá-los (omo pensa a maioria sobre a direita) mas, que as leis de mercado tornarão todos os serviços, inclusive os fundamentais, mais eficientes. Mesmo que o governo possa dar alguma assistência a quem não conseguir acessá-lo sozinho, deve ser algo emergencial e como dotes dados aos mais pobres ao invés de deixar os serviços sendo administrados pelo governo ineficiente. Posso dar o exemplo do Milton Friedman (também neoliberal, mas da escola de Chicago), que propõe que as escolas sejam particulares, ou seja, o governo não terá mais o custo de arcar com a escola e não será mais responsável pela geração da qualidade de ensino (falta de qualidade), mas ele será responsável pela fiscalização, para que todas as escolas tenham pelo menos um currículo mínimo comum e, aos que não tiverem condições de pagar pelos estudos, o governo proporciona um voucher, dando uma quantia às famílias para que elas mesmas decidam em qual escola colocar os filhos. Com isso o mercado fará das escolas muito mais eficientes, e autônomas, além de atingir a todos, democratizando o ensino (Friedman, M. – Capitalismo e liberdade).

Capitalismo Selvagem

À primeira impressão deixada é a de que Coringa é um fenômeno decorrente das injustiças do capitalismo, a cidade está toda submersa neste ambiente da luta de classes, os jornais, as manifestações, a eleição de um barão de bucho cheio que frequenta os salões da aristocracia e a própria assistente social. No meio desta guerra, o Coringa surge como um símbolo da quebra do establishment. Porém, quando colocamos nossa roupa de mergulho e afundamos novamente na profundidade da realidade, damos de cara com um homem que foi vítima, não do capitalismo selvagem, mas da falta de amor familiar.

Podemos ver isto ao analisar as condições econômicas do Arthur: ele era um homem com uma doença terrível, causada por traumas cranianos que os namorados de sua mãe lhe causaram, ainda assim, ele morava em uma residência relativamente boa (melhor do que a minha) e tinha um emprego que não representava a total alienação descrita por Marx, onde o trabalhador realiza uma tarefa que não faz sentido algum, é apenas um meio de conseguir sua subsistência e sua função não lhe proporciona satisfação alguma (Marx K. – O capital). No caso de Arthur, vemos um artista, que trabalhava ajudando criancinhas doentes no hospital, brincando e dançando! Ou seja, era um emprego com condições de lhe proporcionar muita satisfação pessoal e nenhuma alienação; o próprio diz adorar o emprego (na cena em que está sendo demitido por levar um revolver à apresentação).

Depois de ser demitido, ele ainda teve chance de ser um Comediante de Stand-up, mostrando a mobilidade que uma economia capitalista proporciona. Mesmo tendo falhado em decorrência de sua risada crônica, ele teve a oportunidade de se apresentar na televisão, no talk show de maior sucesso no país. Claro que  só conseguiu esta chance pois o apresentador Franklin Murray (Robert de Niro) estava caçoando de seu vexame público, porém isto não anula o fato de que um mercado pujante oferece oportunidades incontáveis para todo tipo de talento, além dos teóricos capitalistas precerem que o ser humano é egoísta por natureza e a economia é baseada nisto. O estado, tem, então, papel protagonista emmanter a ordem e a segurança com suas instituições, seus poderes independes e sua constituição.

 "O que vai gerar a riqueza das nações é o fato de cada indivíduo procurar o seu desenvolvimento e crescimento econômico pessoal"

- Adam Smith

 Ao contrário, os comunistas, professam uma sociedade utópica, o fim do Estado e da exploração, como se isso fosse elevar naturalmente o homem a um estado de harmonia com seus semelhantes.

“Os comunistas se recusam a dissimular suas opiniões e seus projetos. Proclamam abertamente que seus objetivos não podem ser alcançados senão pela derrubada violenta de toda a ordem social passada. Que as classes dominantes tremam diante de uma revolução comunista! Os proletários nada têm a perder se não suas cadeias. Tem um mundo a ganhar.

Proletários de todos os países, uni-vos!”

- (Marx/Engels – o manifesto do partido comunista)

Família

Chegando então ao final de minha análise, não poderia deixar de falar do tema central do filme, a instituição família!

            Por fim, quando o apresentador Murray pergunta ao palhaço se ele estava pintado porque pertencia a algum movimento social, Coringa respondeu que não era político e  não estava interessado nestas coisas. E realmente, ao longo do filme é claro que Arthur tem um drama pessoal que foi transformado involuntariamente em um símbolo da revolução que estava por vir. É óbvio que ele se inflamou e sentiu prazer em alguns momentos, sentindo-se percebido pela sociedade, com o conforto do sentimento de pertencimento ao ver pessoas o imitando, e até o idolatrando, porém aquela luta não era a dele, em vários momentos do filme quando é mostrado seus sentimentos e ambições, se nós, espectadores, prestarmos a atenção, que deveria ser o objeto principal de trabalho da assistente social, que estava pensando mais em seu emprego público e em como não ligavam para pessoas como ela, vamos perceber que o que ele mais queria era o ceio familiar.

Temos a cena onde ele sonha estar na plateia do seu programa televisivo favorito, onde é percebido pelo apresentador e chamado ao palco. Neste momento, Murray ignora toda a plateia e diz com estima que trocaria todo aquele show para ter um filho como Fleck. Com isso podemos notar que seu problema mais profundo era a falta de uma família e não um problema econômico ou profissional ou seja lá o que as injustiças sociais trazem aos homens.

Também temos a cena onde ele, enganado por sua mãe, acreditando ser filho de Thomas Wayne [(ou seja, irmão do Bruce Wayne (Batman)] e ao encontrá-lo no cinema, se despe de sua roupa roubada de garçom (numa simbologia perfeita de sua saída do mundo de classes em guerra e entrada num mundo de ternura familiar) e tenta conseguir o afeto do pseudo pai, mostrando que a única coisa que ele desejava naquele momento era ter um pai que o abraçasse.

É importante notar outra delicadeza do diretor ao colocar, nesta cena do cinema, o filme tempos modernos de Charlie Chaplin, uma obra incrível de crítica ao capitalismo industrial.

Fim

O ver este filme através da superfície somos levados a crer que  Thomas Wayne, um burguês explorador que se tornaria prefeito de Gothan city, engravidou uma empregada e a jogou na rua para criar o filho sozinha, Arthut Fleck, vítima desta atrocidade, cresceu marginalizado, pobre e doente tendo por fim, e por consequência óbvia, se tornando o pivô de uma revolução contra os ricos onde, em meio ao caos, a justiça foi feita: Um assassinato daquele que gerou miséria e violência.

Porém, ao ir um pouco ao fundo, vemos que Thomas Wayne não era o pai de Arthur, e que não foram as injustiças do capitalismo que criaram o Joker, mas a falta de compaixão.


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